Frances Haugen (ex-Facebook) no senado dos EUA.
Se você tem prestado atenção às notícias recentes, o nome Francis Haugen não deve ser estranho a você.
É a ex-funcionária do Facebook que saiu da empresa com um monte de pesquisas internas feitas pelo próprio Facebook, levou isso para o Senado dos Estados Unidos, onde ela falou por mais de três horas no último dia 5 de outubro.
Um dia antes, 4 de outubro, todos os serviços do Facebook saíram do ar, Facebook, Instagram, WhatsApp, até o serviço Oculus saiu do ar.
Algum tempo antes disso, hackers estavam vendendo dados de 1.5 bilhões de pessoas que eles coletaram do Facebook.
Os três eventos não têm relação técnica nenhuma uns com os outros, mas eles mostram mais uma vez o quão tóxico é o Facebook para a nossa sociedade.
A fala dela me chocou bastante por tudo que ela disse e também pela forma como ela disse.
Ela foi muito calma, muito direta, quando o senador se perguntava alguma coisa que ela não sabia, ela dizia que não sabia, que não teve acesso àquelas pesquisas, enfim, ela só falava sobre o que ela sabia.
Ela trabalhou em outras empresas, trabalhou no Pinterest, acho que no Google, enfim, ela trabalhou em outras empresas de tecnologia e em um dado momento, durante o depoimento dela, ela fala que nenhuma empresa faz as coisas como o Facebook faz.
Eu assisti o depoimento duas vezes porque a primeira vez eu fiquei muito chocado, eu pensei que assistindo de novo eu pudesse trazer um pouco de razão para aquilo tudo, mas na verdade, quando eu assisti pela segunda vez, prestando mais atenção nos números, fazendo anotações aqui para esse vídeo, eu fiquei ainda mais chocado, ainda mais impressionado.
O foco das perguntas estava sempre voltado para o mal que o Facebook faz para jovens, especialmente meninas, mas tudo que ela disse a respeito do algoritmo, a respeito da forma como o Facebook age, serve para todos nós.
E a fala dela me fez refletir sobre alguns assuntos.
Por exemplo, eu sempre achei que era fácil sair do Facebook, do Instagram, do WhatsApp, seja do que for, foi o que eu sempre recomendei.
Eu digo para as pessoas, ué, eu não tenho vivo sem isso tranquilamente, tenho até mais paz do que eu tinha antes, mas ela colocou um ponto que eu não tinha pensado.
A minha geração é a última, foi a última que viveu os dois mundos.
Eu vivi um mundo completamente desconectado, vivi um mundo sem celular, eu vivi um mundo em que eu tinha que combinar as coisas com as pessoas para encontrar em algum lugar, e se desse errado, deu errado, não tinha uma outra forma de fazer.
Comparando com hoje, as coisas eram bem mais complicadas.
Hoje tudo está muito fácil, mas complicado não quer dizer impossível.
Então eu consigo sentir a diferença desses dois mundos, e eu consigo sentir que é possível viver nos dois mundos, e eu acho que todo mundo da minha geração percebe isso.
Por outro lado, quem já nasceu em um mundo altamente tecnológico, altamente conectado, não percebe, não sabe como é isso, é só sair.
E ela menciona isso no depoimento, essa distância entre pais e filhos, as filhas dizendo que o Instagram faz muito mal para elas, especialmente num assunto ligado a corpo, alimentação, e os pais não entendendo, ué, sai dessa rede, desconecta dessa rede, e na verdade não é assim, é realmente um vício.
Aquilo me faz mal, eu não consigo sair daquilo, e se eu saio eu começo a ser excluído.
O que é que os amigos vão pensar, como é que eles vão lidar, eu vou estar excluído daquele ciclo de amizades.
Ela fala sobre esse desencontro de gerações em que os pais não sabem nem como ajudar os filhos, e é por isso que ela prega a necessidade do governo intervir.
E uma das primeiras coisas que ela falou, muito impactante, é que uma simples busca por uma receita saudável no Instagram pode levar rapidamente uma pessoa para temas muito mais complicados, temas muito mais polêmicos, como anorexia.
É uma loucura, ela diz que o algoritmo realmente faz isso, e ela comenta algo que é realmente perceptível, acho que todos nós percebemos isso.
O lado negativo das coisas, o ruim das coisas, causa um impacto, uma emoção muito mais forte do que o lado positivo.
Então o algoritmo está sempre procurando essas coisas, porque ele precisa desse impacto, dessa emoção para eu procurar mais, ser mais alimentado com isso, ficar mais, e aí o Facebook vende mais anúncios e mantém cada vez mais as pessoas dentro da rede.
E quando eu falo Facebook aqui, eu estou falando de todos os serviços, a maior parte da conversa foi em torno do Instagram, mas eles falaram também muito sobre o Facebook, o aplicativo principal.
A proposta, ela não falou nada sobre o WhatsApp, mas só para que você reflita sobre o assunto, é assim que o Facebook completa o seu perfil.
Toda aquela informação que você tem na rede, toda aquela informação que você tem de navegação na rede, está conectada agora a um número de telefone.
E sobre a coleta dos 1.5 bilhões de dados que eu mencionei no começo do vídeo, pode ser que você não esteja preocupado com não ter nada a esconder, que é algo que muita gente fala, não tem nada a esconder, não tem problema com privacidade, mas esses dados, o seu número de telefone, são um risco constante.
É receber um SMS com algum tipo de prática para te roubar senhas, é receber e-mails com essas práticas, por exemplo, saber o seu endereço, o seu telefone, uma série de dados a seu respeito, faz com que você tenha muito mais credibilidade nessa mensagem falsa do que se ela viesse com vários problemas que não têm nada a ver com a sua vida pessoal.
E sobre a coleta de dados, não houve invasão nenhuma do Facebook.
Tudo foi coletado porque está público na rede.
O que eles estão vendendo é a coletânea, a organização desses dados em um banco de dados para quem quer cometer crimes usando essas informações.
Vamos voltar ao depoimento.
Uma outra pesquisa interna do Facebook.
Todas as pesquisas que eu estou falando aqui, ela cita que são pesquisas do Facebook, ela coletou no Facebook e ela entregou para o Senado.
Mostra que o Instagram é muito pior do que outras redes sociais porque ele tem essa valorização do corpo e dessa competição de estilo de vida entre as pessoas.
E é aí que tudo se conecta.
Eu tenho uma rede que privilegia esse tipo de conteúdo, eu tenho um algoritmo que privilegia eu assistir coisas ruins que me incomodam, mas eu quero continuar assistindo, eu não consigo sair dali e aí você cria um coquetel perfeito do mal.
Claro, quem se beneficia com isso é o Facebook, que vende cada vez mais anúncios.
Em um dado momento ela fala que o Facebook deveria decretar falência moral.
Um dos senadores respondeu dizendo que, na verdade, o Facebook não tem princípios e com base em tudo que ela falou, com base em tudo que ela levou lá e com o que eu venho acompanhando há anos, eu tenho que concordar com ele.
Por exemplo, existe uma outra pesquisa interna no Facebook.
Lembra daquela história de tirar a quantidade de likes do Instagram?
Eu nem sei se isso foi para frente ou não porque eu não uso o Instagram, mas acompanhei isso na mídia.
Essa pesquisa interna do Facebook mostra que isso não tinha relevância nenhuma, não ia mudar nada nessa questão do algoritmo, fazer as pessoas ficarem presas ali dentro, mas que era algo que a mídia estava falando, era algo que parecia, digamos, uma boa política para a empresa.
Então, vamos tirar, vamos fazer isso.
Então, houve essa discussão interna de apoiar essa ideia porque não ia interferir em nada nos benefícios para o Instagram, para o Facebook.
De novo, eu não sei se isso foi tirado ou não porque eu não tenho Instagram.
Não vai causar mal para a empresa, tudo bem, vamos fazer.
É mais ou menos essa mensagem que ela trouxe o tempo todo com todas as pesquisas que ela ia mostrando.
Segundo ela, o que faria mais efeito seria tirar os comentários desses posts mais críticos do Instagram, porque o comentário é como se fosse um like, entre aspas, como se fosse um gostar, entre aspas, porque se eu coloco algo ali e muita gente comenta, eu percebo que aquela pessoa é popular, eu percebo que aquela pessoa, sei lá, é melhor do que eu porque tem muita gente comentando.
É a mesma coisa que clicar no like.
O que me fez pensar que o YouTube já acabou com isso há algum tempo.
Vídeos voltados para criança têm os comentários desligados e tem comentários desligados em alguns vídeos com assuntos mais polêmicos.
O YouTube força isso, ele desliga os comentários.
Não somos nós, não sou eu que desligo.
Eu posso desligar os comentários aqui do YouTube, mas em muitas vezes é o próprio YouTube que desliga, desativa, não tem como ativar novamente esses comentários.
O algoritmo, ela usa a palavra amplificação o tempo todo.
O termo em inglês que ela usa é amplification system, sistema de amplificação, ampliação.
É o que ela diz que o algoritmo faz.
Ele amplia, aumenta esses sinais e normalmente são sinais maldosos, ruins.
O próprio trabalho no Facebook é guiado por esse algoritmo, por números.
Então, cada vez mais o trabalho tem que ser feito em função de melhorar esses números, dessa ampliação dessas questões mais polêmicas.
O que seja a intenção ir para polêmica, ela deixou isso claro em alguns momentos, mas é isso que traz mais, que faz com que eu fique mais preso na rede.
Notícias falsas, maldades e coisas desse tipo me prendem mais lá.
Eu continuo lá, nós continuamos lá, mais anúncios