Poemas
tanto fuso
seis horas negativas do lado esquerdo do mundo
contra três ou quatro positivas a direita do mesmo mundo
há os que acordam bem cedo
(ao fim de meu dia)
e os que tarde madrugam
(no inicio de minha noite)
tanto fuso
tanto horário
tão mais e tão menos
dessa gente que a gente gosta tanto
tanta saudade
conectada por cabos submarinos
satélites geoestacionários
parafernálias mirabolantes
que matam e alimentam nossa saudade
fotos digitais
sons digitais
imagens virtuais de sol e neve
frio e calor unidos em minha base tropical
tanta saudade real
de todos vocês
dos fusos negativos da américa do norte
dos fusos positivos do sul e do norte europeu
tanta saudade de todos vocês
Vladimir Campos
17.01.1999
* Originalmente publicado no meu antigo site DigiCampos.com
saudade do futuro
(Trilogia do Futuro - momento de solidão)
saudade do futuro
daquelas incríveis máquinas de pensar
de chorar
de sentir
saudade do futuro
vinte ou trinta anos
me separam de mim mesmo
me separam da modernidade
saudade do futuro
me corroí essa agonia
essa pressa
esse presente medieval
saudade
prisioneiro de um tempo incompatível
prisioneiro de um amor moderno e medieval
prisioneiro de você
saudade do futuro
do amor que virá
e essas incríveis máquinas de pensar?
e essas incríveis pessoas de amar?
e essa dor?
confluência do futuro
ausente
e você
Vladimir Campos
29.04.1996
* Originalmente publicado no meu antigo site DigiCampos.com
loucura de bell
(Trilogia do Futuro - momento de tristeza)
estranhos pulsos
ondas eletromagnéticas
levam minha voz
nossa voz
sua voz
sua presença virtual
que mata e alimenta minha saudade
estranhas ondas de energia
viajando ao compasso de sessenta, setenta,
cem batidas por segundo
ao compasso de um beijo imaginário
de um abraço impossível
contato intangível…
…moderno, pois
moderno?
loucura, bell!
loucura nossa
querendo o que está tão longe
porque parece perto
por que?
por que bell?
loucura nossa
ainda não aprendemos
nada sabemos sobre a modernidade
trivial: uma ligação telefônica
o descompasso de uma geração inteira
quase posso te ver
quase posso sorrir
quase posso te beijar…
…quase posso te tocar
e seguimos perdidos
nessa desordem virtual de comunicação
nessa desordem real da razão
somos herdeiros da american telephone & telegraph
Vladimir Campos
27.12.1995
* Originalmente publicado no meu antigo site DigiCampos.com
outro.poema@eletronico
(Trilogia do Futuro - momento de revolta)
moderno
transitorio
fugaz…
…efemero
compatibilidade total
a ultima revolucao de costumes
a ultima moda
e a gente nem se ve
nao se fala, nao se beija
nao se ama
se entende, se atura
se compreende
loucura!
e voce tao classica e eu tao moderno—na vida
e eu tao classico e voce tao moderna—no amor
loucura!
loucura eletronica…
matou o ultimo poema shakespeariano
o ultimo amor
o ultimo suspiro da maquina de escrever
da caneta Mont Blanc
e ultima rosa do jardim
digitalizada
perpetuada sem perfume
causou eterno sofrimento no poeta
que morreu datilografando o ultimo poema
—que foi transcrito,
tambem digitalizado,
imortalizado
como o poeta nao queria—
derramando a ultima lagrima passional da ultima amada
que por sua vez tambem foi digitalizada
por fim,
o amor foi compactado, restrito a um arquivo qualquer
de uma ala qualquer
de um museu qualquer
da world wide web…
Vladimir Campos
30.10.1995
“Donde conclui-se que somos a última geração de uma velha civilização e a primeira geração de uma nova, que grande parte de nossa confusão pessoal, angustia e desorientação pode ser diretamente atribuída ao nosso conflito interno e ao conflito no cerne de nossas instituições políticas, entre a civilização agonizante da Segunda Onda e a civilização emergente da Terceira Onda clamando para assumir o seu lugar.
Quando, finalmente, compreendermos isso, muitos eventos aparentemente sem sentido de repente tornar-se-ão compreensíveis. (…) Em suma, a premissa revolucionária libera nosso intelecto e nossa vontade.
—Alvin Toffler (Criando uma nova Civilização)
* Originalmente publicado no meu antigo site DigiCampos.com
M.A.D.
fazer casa num silo nuclear da guerra fria
de um harmônico descompasso mundial
de um eterno estado de agonia
míssel balístico intercontinental
louco para voar
louco para explodir
adquiriu vida própria
e pôs-se a sorrir perante a situação
de tanto poder e ter que esperar
que liberem as amarras
abram o silo
e o deixem escapar
pulsa
pulsa um míssel nuclear
pulsa um coração posto a esperar
que as tensões mundiais se agravem
e acabem por detonar a primeira ogiva
que arrasará a primeira cidade
que causará a primeira enchente termonuclear
que causará retaliação
perturbação na ordem mundial
que causará pânico
euforia e agitação
(paixão)
Vladimir Campos
27 de julho de 1995
Contexto.
A Guerra Fria era tema frequente nas telas de cinema, capas de revistas, jornais e conversas entre amigos. Um dos filmes mais marcantes de nossa geração foi inclusive sobre este tema. O famoso e hoje clássico Jogos de Guerra (War Games) de 1983, que assisti quando tinha uns 15 ou 16 anos. Por conta de tudo que li, ouvi e conversei a respeito da Guerra Fria, mais tarde a escrever diversos poemas usando o tema.
Não há nada de poético em uma guerra, muito menos quando se trate de uma que pode exterminar a humanidade por completo. Porém, um dos efeitos daquela guerra psicológica era justamente o estado de tensão constante de que algo poderia e iria acontecer a qualquer momento. Este acontecimento seria uma guerra de proporções nunca antes vista. Foi por conta deste estado constante de ansiedade em relação ao que pode vir a acontecer um dia que surgiu a idéia de comparar a Guerra Fria a uma paixão não correspondida.
nação distante
uma fila de tanques
um filho gritante
(da nação distante)
um Nobel da paz
um notável capaz
(da nação distante)
uma fila armada
com armas de fogo
uma fila armada
com armas de flores
um acerto de cúpula
um cerco à culpa
(da nação distante)
um muro no chão
um mundo de confraternização
(da nação distante)
Não há data na página deste poema no meu caderno de poesias, mas como o Nobel da paz de 1990 foi anunciado no dia 15 de outubro de 1990, decidi atribuir esta data a este post, já que o poema, indiretamente, menciona Mikhail Gorbachev.
Só o Amor Destrói
Vejo através
de fragmentos da parede de concreto
Vejo através
de frações de um mundo incerto
provas do que mudou
do que diziam ser certo
restos do que acabou
do que era perpétuo
Um muro Alemão
e são tantos mais
fronteiras sem razão
guerra na Praça da Paz
“Só o amor destrói”
o que só o ódio constrói
Vejo através
de filas de tanques de guerra
Vejo através
de filhos que amam sua Terra
provas do que mudou
do que diziam ser certo
restos do que acabou
do que era perpétuo
Vejo através
de homens que não cansam de sonhar
Vejo através
de sonhos que não param de realizar
Cai um muro alemão
e o de outras terras mais
não há fronteiras sem razão
só paz na praça da guerra
“Só o amor destrói”
o que só o ódio constrói
Em 1990 ganhei, não me recordo de quem, um fragmento do Muro de Berlim dentro de um pequeno envelope com a frase “SÓ O AMOR DESTRÓI” impressa na parte externa.
Na parte interna desse envelope, que guardo até hoje, há um pequeno texto dizendo que o fragmento foi trazido ao Brasil por Wolger Wey, que honestamente não faço a menor idéia de quem seja. Por curiosidade, recentemente procurei informações na Internet mas não há nenhuma referência ou vínculo que eu tenha encontrado de uma pessoa com este nome e o Muro de Berlim.
Confirmar a legitimidade do fragmento nunca foi algo que me importou e continua não sendo importante agora. O que está vivo na minha mente até hoje são as imagens que vi na televisão de uma multidão de pessoas derrubando um muro que nunca deveria ter existido. Isso é o que realmente importa!
Lembro também que quando recebi o fragmento de presente, as imagens do muro sendo derrubado e a multidão passando pelo Portão de Brandeburgo começaram a se repetir na minha mente me fazendo pensar em quanto ódio foi necessário para construir um muro — e tantos outros tipos de muro que depois dele surgiram — dividindo famílias e amigos. Foi esse sentimento que me fez escrever o poema que ganhou o nome “Só o Amor Destrói”.